Um Homem Sozinho (6)
Isto é um Homem sozinho.
Um Homem sozinho consciente que vai morrer dentro de segundos.
É uma das imagens mais dramáticas que me lembro de ter visto. Foi tirada de um vídeo feito pela Senhora Anukul Charoenkul em Khao Lak, Tailândia, a 26 Dezembro 2004, no exacto momento em que a primeira vaga do tsumani atingiu a praia.
O homem solitário que enfrenta, de pé, a monstruosa massa de água, vai morrer. Tragado e desfeito.
Mas a verdade é que teve tempo de fugir. Como outros mirones, ele viu as ondas ao longe, a avançarem para a costa. Por alguma razão que não me atrevo julgar, este Homem escolheu ficar no areal – ou adiar a retirada até ao limite do possível. A vida é feita de escolhas e este Homem teve a infelicidade de fazer uma escolha errada – a última -- sem possibilidade de remissão.
Não se apercebeu do perigo que corria nem terá avaliado a dimensão, a velocidade e a fúria destruidora do que aí vinha.
Quando se apercebeu, já era tarde. O vídeo (procurem em www.asiantsunamivideos.com) mostra-o estático, de frente para a vaga, sem esboço de reacção [um amigo disse-me que se aumentarmos a fotografia ao máximo dá a impressão que o Homem está de joelhos, numa espécie de súplica; eu prefiro imaginá-lo de pé]
O Homem desaparece no turbilhão.
Olho muitas vezes para a imagem deste Homem sozinho, consciente que vai morrer dentro de segundos.
Que pensou ele naquele último momento de vida?
Gritou?
Deus?
Mulher?
Filhos?
Mãe?
Foda-se?
Adeus?
Nããão?
Barão de Lacerda
12 comentários:
Verdadeiramente dramatico. Se fosse eu, provavelmente estaria a pensar "estou tramada, como e' que me vou safar desta?". O instinto de sobrevivencia e' predominante e so' quando estivesse efectivamente a ser devorada pelas ondas e' que encomendava a minha alminha. Mas nao ha' grande escapatoria frente a um colosso destes.
Foto impressionante e um bonito texto.
Não sei o que pensaria, o que diria, como reagiria. Medo, raiva, desespero, pavor, fé... esperança, silêncio, serenidade, conformismo, dignidade?
Não sei. Juro que não sei.
Mas dá que pensar.
não terá sido...e se Deus é mulher? eu sou seu filho...MAEEE...NAAAOOO...foda-se. Adeus!
pode ser, certo?
tenho uma amiga que estava na Tailandia, de férias quando aconteceu o desastre. Sobreviveu, claro, (as vezes parece que só não afectou directamente a "nata" da sociedade, aca:endinheirados) e contava-me ela, em primeira mão, que parecia uma pequena ondulação, mas com uma força e volecidade incrivel...não me parece que ele estivesse a desafiar o fado, nestes parametros! ainda assim é de facto uma imagem brilhante.
parabens à artista!
parabens ao barão, pelo texto.
de uma leitora assídua
Ana
Hoje (domingo, 5/11) andei por Castro Verde e Entradas a ver a força das águas caídas do Céu a rasgar as terras, levando tudo à frente, enchendo albufeiras, obrigando ribeiros a saltar dos pequenos leitos, matando galinhas, inundando casas térreas, lavando em lágrimas quem ficou afectado. Impressionante? Pouco, ou talvez nada. São pequenos dramas que nos levam a ficar ao lado de quem os sofre. Mas depois de ler o Barão de Lacerda e imaginar a cena do Tsunami... meu Deus. Que dizer? Se eu hoje repeti palavra (desculpem) foda-se vezes sem conta, que terá dito o pobre homem tragado pela onda gigante?
bof...
o gajo deve ter pensado. Se mergulhar por baixo da rebentação safo-me nas calmas. Acho eu...
bof, nao da'.
Estas ondas nao sao geradas pela accao do vento. Nao da' para mergulhar por baixo da rebentacao, porque nao se consegue mergulhar na areia...
Giso
Para mim este homem não escolheu morrer. Talvez fosse um espírito simples e sensível que perante a tamanha grandiosidade e singularidade daquele momento natural se tenha perdido na sua contemplação (ficou "vidrado"). Sim teve consciência da morte mas não "decidiu" morrer...
Bem visto caro c.p, bem visto!
A desdita de um contemplativo
Giso, a minha duvida é: quanto tempo um homem resiste depois de ser engolido por uma onda como esta? 30 segundos? Um minuto?
Talvez surfar?... não?
Pronto.
Qual o valor de uma vida?
Nem por todo o ouro do mundo eu quero ver esse filme, sequer saber se estava de joelhos ou de pé. No entanto a foto é poderosa, leva à reflexão.
O que me indigna é a ligeireza com que entramos abusivamente na privacidade dos outros, mesmo desconhecidos. Este homem não teve direito ao seu "momento solene", à extrema nudez de se saber sózinho e impotente perante o fim. Tudo foi capturado, roubado e difundido: só quem não quer é que não vê. Uma absoluta falta de consideração pela intimidade de um ser.
A indiscrição reina, é um valor poderoso.
Raios, não me passaria na cabeça divulgar o site desse vídeo...
Pensou na Héide e no Marco
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